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Foto do escritorMaik Bárbara

O que é Hiper Difusionismo, e porque você deveria saber!

Dentre teorias pulsantes na internet proclamando que houve uma humanidade predecessora aos dias atuais, que viveu há milênios e foi, por algum motivo altamente desenvolvida tecnologicamente, e depois quase toda extinta, mas seus sobreviventes foram suficientes para espalhar pelo globo terrestre vestígios de seus desenvolvimento mediante a difusão de sua tecnologia perdida, temos o que desconhecemos: essa ideia tem mais de 100 anos e você nem sabia.

A ideia de uma civilização antiga, e sem rastros, altamente desenvolvida povoa o imaginário dos entusiastas em história antiga e paleoantropologia. Internautas sedentos por saber a "verdade" e que não lêem ou estudam, mas se baseiam em pílulas de conhecimento para criarem audiência virtual, e assim difundem a ideia de que um povo, após uma grande queda e quase extinção, se recompôs e espalhou pelo globo, um planeta povoado por primitivos carentes de inteligência para se desenvolverem e criarem sua própria cultura e tecnologias, dando então início ao que conhecemos hoje do passado humano nos últimos 5 mil anos. Ledo engano...


O Hiper difusionismo é uma proposta teoria antropológica que tentou se estender ao ramo da paleoantropologia, e que busca explicar a diversidade cultural observada ao redor do mundo por meio da ideia de que todas as culturas têm uma origem comum e que as semelhanças culturais entre diferentes sociedades são resultado de difusão cultural a partir de uma cultura "superior". Essa abordagem atribui a transmissão de características culturais a um grupo específico, geralmente uma sociedade altamente desenvolvida ou avançada, que teria espalhado seus elementos culturais para outras civilizações menos desenvolvidas. Fosse essa distribuição de cultura, que envolve tecnologias, no âmbito continental ou até mundial, pré-histórica ou até antecessora ao evento do Young Dryas, ou seja, antes da micro era do gelo de cerca de 12.500 anos atrás.


A teoria do hiper difusionismo ganhou força no final do século XIX e início do século XX, quando os antropólogos faziam tentativas e confabulavam em como explicar as conexões culturais e tecnológicas entre diferentes grupos humanos em todo o mundo e distribuídos pela timeline, linha do tempo, da história da humanidade. Nessa época, diversos estudiosos, como Grafton Elliot Smith e William James Perry, acreditavam que havia uma única origem para todas as culturas humanas e que o progresso cultural se dava em uma linha reta, com algumas sociedades mais avançadas transmitindo suas conquistas para outras mais atrasadas [1] [2]. Algo que ia de encontro com a teoria de Darwin da evolução humana.

O ato de apontar aparências em artefatos espalhados pelo mundo, com séculos separando as construções culturais de certos povos é traço de uma análise superficial e fruto do hiperdifusionsimos. A maioria, se não todos, esses paralelos frutos de desinformação de cada povo, é apenas confusão do dito pesquisador que não tem bases suficientes sobre cada sítio arqueológico para traçar uma linha coerente de raciocínio.


Os defensores do hiper difusionismo argumentavam que o desenvolvimento de certos elementos culturais, tal como a agricultura, a metalurgia, aplicações praticas de técnicas construtivas, ou até a escrita, só poderia ter ocorrido em um único lugar e, a partir daí, se espalhar para outras sociedades por meio de migrações ou contatos comerciais. Nesse ponto, não consideram diversos fatores que atualmente é sabido fazer parte do desenvolvimento da psique humana e dos desenvolvimentos intuitivos construídos através dos milênios de história de povos isolados, ou não.


Uma das principais críticas ao hiper difusionismo é sua tendência a ser eurocêntrico e etnocêntrico. Algo que o descaracteriza posteriormente como uma racionalizada sobre o tema da evolução antropológica. Muitos dos primeiros defensores dessa teoria eram europeus que viam a cultura europeia como a mais avançada e, portanto, consideravam outras culturas como "inferiores" ou "primitivas". Exemplo disso foi a abordagem deles ao se chocarem com os povos viventes das Américas durante o descobrimento, e o grandioso choque de culturas: enquanto se diziam superiores, se comparavam com povos que tinham sistemas de esgoto altamente eficientes, enquanto os europeus ainda viviam jogando urina e fezes de um balde pela janela de casa, direto nas ruas. O entendimento de “desenvolvimento” e “tecnologia” sempre foi um impasse para os defensores dessa tese. Tudo isso levou a interpretações distorcidas e preconceituosas das culturas não europeias, diminuindo suas contribuições e realizações únicas.


Além disso, a teoria do hiper difusionismo ignorava as evidências arqueológicas e antropológicas que apontavam para o desenvolvimento independente de certas tecnologias e práticas culturais em diferentes regiões do mundo.


Por exemplo, a invenção da escrita, tão utilizada como exemplo pelos proponentes e defensores do hiper difusionismo, ocorreu de forma independente no Egito, na Mesopotâmia, em Göbekli Tepe (proto escrita), na China e em outras culturas espalhadas pelo mundo, sem que uma tivesse influenciado diretamente a outra.

Pluralismo: expressão vinda da filosofia que traduz como "doutrina da multiplicidade". Um sistema plural, portanto, é aquele que aceita, reconhece e tolera a existência de diferentes posições, opiniões ou pensamentos.

Com o avanço dos estudos e descobertas feitos pelos campos da antropologia e da arqueologia, as abordagens difusionistas mais extremas foram gradualmente abandonadas em favor de hipóteses comprovadas com fatos e provas, o que formaram novas teorias mais abrangentes, contextualizadas e evidenciadas. A partir do século XX, os antropólogos passaram a adotar uma visão mais pluralista, entendendo que as culturas se desenvolvem de forma complexa, em interação com o ambiente físico, a geografia, as necessidades específicas do grupo e as interações com outras sociedades.

Contextualizar é a base da análise cultural de um povo, e isso é essencial para evitar o erro e criar paralelos como o exporto da imagem acima. Arquitetonicamente um marco no desenvolvimento humano, e não por isso, a forma piramidal seria fruto de um único povo que difundiu o método construtivo, mas sim um processo quase intuitivo para chegar nessa composição estável e altamente durável contra terremotos, intempéries naturais, ataques inimigos, destruição por domínio de povos vizinhos e quaisquer efeitos sobre o território onde as construções se encontrassem.


Atualmente, os antropólogos reconhecem que as culturas são dinâmicas e estão em constante evolução, novos teóricos e mentes do século 20 contribuíram, cada qual em seus campos de atuação, na expansão do conhecimento e posterior agregado intelectual para que o hiper difusionismo caísse em desuso. Sendo, então, as culturas dinâmicas, elas também possuem as semelhanças culturais entre diferentes grupos que podem surgir de maneiras diversas, tal como convergência cultural, empréstimo cultural, reciclagem mitológica (o que carrega trações culturais) ou mesmo desenvolvimento independente.

A diversidade cultural é valorizada como uma riqueza humana, e as abordagens antropológicas procuram entender as particularidades de cada sociedade sem julgamentos de valor ou hierarquias culturais.



A imagem acima é da famigerada Fuenta Magna, uma grande bacia feita em barro e conservada até os dias de hoje, semelhante a uma tigela de libação. Encontrado em 1958 perto do Lago Titicaca, na Bolívia. Ele apresenta caracteres antropomórficos lindamente gravados, motivos zoológicos característicos da cultura local e, mais surpreendentemente, dois tipos de escrita - um antigo alfabeto proto-sumério e a língua local do antigo Pukara, precursor da civilização Tiahuanaco. Muitas vezes referido como “a Pedra de Roseta das Américas”, a bacia é um dos artefatos mais controversos da América do Sul, pois levanta questões sobre se pode ter havido uma conexão entre os sumérios e os antigos habitantes dos Andes, localizados milhares de quilômetros de distância. Ou seja, o contato transoceânico dos povos, algo palpável, mas ainda não comprovado. Talvez um marinheiro não letrado (coisa fácil de acontecer), ou semi analfabeto em técnicas cuneiforme chegou às Américas e passou a deixar suas marcas na cultura alheia. Talvez um artefato forjado para incitar a fama do descobridor, ou "n" outras alternativas. No entanto, ela abre um leque de possibilidades investigativas que incitam a pesquisa e o lançar mão do difusionismo.


Em resumo, o Hiper difusionismo na antropologia representa uma abordagem ultrapassada que buscava explicar a diversidade cultural por meio de uma única fonte de difusão cultural, geralmente eurocêntrica. Essa teoria foi criticada por sua falta de embasamento em evidências e sua visão preconceituosa das culturas não europeias. Atualmente, os antropólogos buscam abordagens mais contextualizadas e respeitosas da diversidade cultural, valorizando as particularidades de cada sociedade e sua evolução histórica independente.

Portanto, da próxima vez que uma pílula de desconhecimento virtual bater à porta de suas redes sociais, pense um pouco mais se essa tal “humanidade perdida da pré-catástrofe mundial”, é de fato algo mensurável, ou apenas alguém tendo ideias mirabolantes que outros menos instruídos tiveram a mais de 120 anos atrás.

Por Maik Bárbara

@HipoteseZero


Referências

Smith, Grafton Elliot. "The Diffusion of Culture." In "The Ancient Egyptians and Their Influence Upon the Civilization of Europe," 1911.

Perry, William James. "The Children of the Sun: A Study in the Early History of Civilization." 1909.

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