A grande maioria das pessoas conhece as famosas histórias bíblicas, o que faz do cristianismo a maior religião vigente do mundo atual. Mas será que os textos bíblicos são amparados por algum tipo de evidência, seja arqueológica ou historiográfica? É o que descobriremos no decorrer deste estudo.
Existem milhares de pesquisas relacionadas aos textos bíblicos, são livros, teses, artigos e outros tipos de estudos, porém, são pouco conhecidos, passando despercebidos, seja por falta de interesse, dogmas religiosos ou outros motivos. Este artigo tem como objetivo chamar atenção para os estudos de diversos historiadores, arqueólogos e pesquisadores como Louis F. Nussbaum, Samuel N. Kramer, Eleazar L. Sukenik, Leonard Woodley, e outros, que nos últimos séculos dedicaram sua vida a essas pesquisas, que voluntaria ou involuntariamente, acabaram por comprovar ou invalidar alguns pontos descritos na Bíblia Cristã.
Não é interesse do autor desrespeitar ou atacar a fé ou religião de qualquer grupo, este estudo tem o simples e claro objetivo de analisar alguns pontos já discutidos por outros pesquisadores, bem como apresentar suas pesquisas totalmente embasadas.
QUESTIONAMENTO
Devemos começar este estudo entendo o porquê de sua necessidade, e para isso precisamos lembrar que até o século XVIII, não se questionava a Bíblia. Quem se quer ousasse o simples ato de interpretar de outra forma o que se tinha como palavra de deus, seria taxado de herege, pagão e provavelmente seria perseguido e caçado até a morte. Na época, o mais que era permitido discutir eram algumas datas, porém jamais a veracidade e confiabilidade dos textos.
Tudo o que era relatado pelos textos bíblicos era aceito de boa-fé e encarado como a mais pura expressão da verdade. Isso acabava envolvendo as pessoas em uma religião tão rígida, que o resultado era fieis amedrontados, indivíduos “cegos” quanto a outros aspectos da história. Aproximadamente no final do século XVIII, ocorre um grande aumento da curiosidade e consequentemente do interesse pelo passado da humanidade.
As pesquisas começaram sobretudo, tentando provar que os antigos tinham conhecido a idade do ouro. Com isso surge um grande interesse pela história dos gregos e romanos, que seriam os pilares da civilização ocidental, em seguida cresce o interesse pelo Egito, que fascinava os exploradores devido à grande quantidade de ouro encontrado sob as tumbas e templos do país dos Faraós.
Finalmente, chega-se aos países do oriente médio, com a descrição das antigas cidades de BaalBeck (1757) e Palmira (1753), situadas no Líbano e na Síria, respectivamente. A partir disso, historiadores e exploradores de todo o mundo começam a se interessar pelo estudo dos lugares citados na bíblia. A fase das verdadeiras conquistas arqueológicas ligadas a bíblia vem com a descoberta da cidade de Petra (Raqmu), localizada no sul da Jordânia, pelo explorador suíço Johan Ludwig Burckhardt, em 1812.
Mais ou menos na metade do século XIX, se iniciam as descobertas e escavações de algumas cidades babilônicas, o que desencadeia de vez por todas as escavações em praticamente todo o oriente médio. A partir daí vem-se descobrindo novas cidades, templos, aldeias e outros tipos de descobertas arqueológicas, algumas, caminhando de mãos dadas com a bíblia, outras, batendo de frente com ela.
Certo é que, comparando com o século XVIII, os tempos mudaram bastante. Hoje em dia podemos questionar os textos bíblicos, pois já se somam milhares de descobertas e estudos que podem ser usados para elucidar a veracidade dos fatos descritos. É claro que ainda hoje existem muitas pessoas mal informadas, que mesmo conhecendo a bíblia versículo por versículo, não conseguem identificar as mais claras contradições e desinformações constantes em alguns textos.
Por isso é urgente que nos interessemos pela veracidade do que nos é passado como verdade real desde pequenos. Por isso é crucial que contextualizemos os textos antigos, sejam eles bíblicos ou de qualquer fonte, para que possamos saber, ou pelo menos tentar discernir o que foi real, fictício, "copiado" e alterado.
GÊNESIS – O PRINCÍPIO
Gênesis, do grego (Γένεσις,) "origem", "princípio", é o primeiro livroBíblia cristã, antecede o Livro do Êxodo, fazendo parte dos 5 livros do Pentateuco. Gênesis é o nome dado pela Septuaginta ao primeiro destes livros, ao passo que seu título hebraico é Bereshit (no princípio). O Livro Narra a visão desde a criação do mundo na perspectiva “hebraica”, até à fixação deste povo no Egito, através da história de José.
Como sabemos, o Gênesis (Gn) se inicia com a narrativa do mito da criação do homem, dos animais e do mundo. A primeira versão do Gênesis foi acrescentado aos textos bíblicos entre 586 e 538 a.e.c., mais ou menos na época do exílio na babilônico. Nesta época, os religiosos tentaram reunir diversas tradições e crenças pertencentes as tribos de Israel, bem como realçar a unicidade de seu Deus.
Seguindo esse contexto, nada mais óbvio do que começar pelo início, ou seja, a criação de tudo. Acontece que independentemente de sua origem, a criação de “tudo” estava tão distante, que nenhum homem poderia ter lembranças dela, motivo pelo qual os redatores desses textos foram forçados a recorrerem a tradições impossíveis de serem verificadas, porém, estabelecidas de maneira tão forte na mente dos homens da época, que acabariam sendo consideradas "sagradas".
Sendo assim, esse compilado de tradições e crenças, agora na forma escrita, culminam num relato que segundo historiadores e filólogos modernos, apresenta algumas passagens contraditórias ou com indícios de terem sido narradas por várias fontes distintas. Os livros são geralmente descritos na hipótese documental como se baseando em quatro fontes, entendidas como escolas literárias, e não indivíduos: a fonte jeovista ou javista, a fonte eloísta, (que atualmente são entendidas como uma só), a fonte sacerdotal e a fonte deuteronomista.
Ainda há discussões sobre a real interação desta última na época, motivo pelo qual utilizaremos apenas três, a sacerdotal, e Jeovista e Eloísta. Ao longo deste estudo você vai perceber que essas três fontes estão embaralhadas ao decorrer da versão bíblica, o que pode dificultar a identificação, porém, tentaremos pontuar bem para facilitar a compreensão do leitor.
Se analisarmos a bíblia com atenção, podemos logo atribuir uma origem posterior a uma dessas fontes, sendo esta a fonte sacerdotal, que demonstra peculiaridades em seu estilo, como a preocupação exagerada com classificações, aspecto teológico exagerado, vocabulário sacerdotal e outros. Historiadores e pesquisadores atribuem sua confecção à meados do século III a.e.c.
Já as outras fontes utilizadas, nos parecem um pouco mais antigas, com sua confecção talvez no século VII a.e.c. Estas fontes se mostram bem mais rusticas demonstrando terem sido extraídas de duas tradições, sendo estas do sul (reino de Judá), conhecida como Jeovista (javista/Javé), e a do norte (reino de Israel), conhecida como Eloísta, (elohim/el). Ao que se entende atualmente, os redatores bíblicos optaram por utilizar essas duas fontes juntas, fazendo pequenas alterações e tornando-as uma só história.
As fontes Jeovista e Eloísta, já unificadas, por sua vez, começam afirmando que ainda não existia vegetação sobre a terra, tampouco, homens para cultiva-la. Nessa primeira parte já nos é possível perceber que esse relato se mostra, pelo menos quanto ao estilo, semelhante ao antigo poema babilônico da criação (Enuma Elish), “quando nada havia nascido, nada havia verdejado”, “quando os canaviais ainda não podiam ser vistos”.
Também é dito que YAHWE ou ELOHIM formou o homem da argila “o pó tirado da terra”, o que também pode ser encontrado em antigos poemas sumérios/acadianos, como no mito em que o deus EA (Enki) e sua parceira Mami (Ninhursag), abrem o umbigo de algumas estatuetas em sua forma, e de dentro, retiram quatorze punhados de argila, utilizando-a para modelar sete homens e sete mulheres.
Obviamente podemos elucidar que as estatuetas representam a terra, e que dela se tira a argila que forma os primeiros homens e mulheres. É bem clara a semelhança entre os dois mitos, diferindo praticamente só no número de homens criados em cada, o que é perfeitamente normal, tendo em vista que origem mitológica da história utilizada, datava de mais de 1500 anos antes.
Temos também a descrição do jardim do Éden, localizado entre quatro grandes rios, o primeiro é o Pison (Pishon), rio que rodeia toda a região de Havilá, onde se encontra ouro puro, o segundo é o rio Ghion (Giom), o qual rodeia toda a terra de Cuxe. O terceiro é o rio Tigre, e corre ao oriente da Assíria e o quarto rio é o Eufrates. Não se sabe ao certo onde situam-se os rios Pison e Giom, porém o historiador Louis F. Nussbaum identifica-os como sendo o rio Ganges o Pison, e o rio Nilo como o Gihom. Se seguimos essas hipótese, podemos teorizar que o Éden devia estar localizado na atual Armênia, conhecida nos tempos passados como Urartu, próximo ao lago Van.
Yahwe ou Elohim coloca o homem no jardim do Éden para “cultivar e guardar”, o que nos remete um antigo mito sumério/acadiano, onde os deuses criam a humanidade e a colocam no Uzumua (equivalente ao Éden cristão), “O trabalho dos deuses será sua herança, doravante, assegurará os limites (do éden) e colocará nas mãos dos homens a enxada e o cesto”.
Com esses poucos exemplos, podemos perceber que as fontes bíblicas Jeovista e Eloísta, demonstram ter se inspirado em antigas tradições mesopotâmicas, que estavam impregnadas na memória de todas as culturas que tiveram contato com o povo bíblico.
O Trecho em que deus criou a luz (Gn. I, 3) e separou as águas: (GnI. 6-7) “Que exista um firmamento no meio das águas”, “deus fez o firmamento para separar as águas que estão em cima das águas que estão em baixo e chamou o firmamento de céu”, já podemos notar a clara intervenção da fonte sacerdotal, utilizando-se do vocabulário mais poético. Nesse trecho, também podemos identificar grande similaridade entre esse relato e os antigos mitos mesopotâmicos, os quais, em sua origem, a terra não estava separada do céu.
Um antigo poema acadiano chamado "ud.ma an.ki.ta" tem sua tradução “Quando o céu foi separado da terra”, outro mito sumério, mais antigo ainda, o Gênesis de Eridu, conta “Quando o céu foi afastado da terra, a terra foi separada do céu”. Sabemos também que no mito da criação babilônica, conhecido como Enuma Elish, a deusa primordial Tyamat, representando as águas primordiais, é vencida pelo deus Marduk, e este divide o corpo da deus em duas partes, contendo as águas de cima (céu) e as águas de baixo (terra).
Deus cria a vegetação, os astros e os animais, porém, a fonte sacerdotal silencia sobre o processo de criação do homem e da mulher, diz simplesmente (Gn. I, 21) “Elohim criou então a humanidade a sua imagem e semelhança, ele os criou, homens e mulheres”. Perceba que neste trecho, não se trata de um primeiro homem (Adão), porém da humanidade, o que contradiz o próprio texto Bíblico que cita Adão e Eva. Hoje em dia sabemos que essas contradições são comuns por conta da utilização das diversas fontes, como recortes para montar uma história contada por pessoas diferentes.
Da mesma forma, o trecho também nos remete ao já citado mito de Ea e Mami, dentre outros diversos mitos de outras culturas sobre a criação “dos homens” e não do “primeiro homem”, provavelmente por que serviu de inspiração para os redatores antigos. Nota-se que se as origens mesopotâmicas dos mitos relatados na bíblia estavam um tanto esquecidas, as que provem da estada recente dos Israelitas na Babilônia não estão. As mesmas ideias se encontram nas duas mitologias e devido à localidade, é bem evidente o motivo.
Após o exílio, o mito da criação é trazido átona mais algumas vezes nos textos bíblicos, como no Livro de Jó, no Salmo 104 e outros. Já nesses dois últimos citados, o mito da criação denota uma poesia mais ardente, mais exagerada e ao mesmo tempo, preocupada em atribuir toda a responsabilidade da criação do universo a um único deus, típico vocabulário da fonte sacerdotal.
Isso acontece porque enquanto as mitologias mesopotâmicas são de cunho politeísta, no qual as divindades são a própria criação e tem todos os defeitos dos homens, a bíblica é obviamente monoteísta, exaltando a unicidade de um deus criador, perfeito e diferente da sua criação.
O DILÚVIO, ENCHENTES E INUNDAÇÕES
Indissoluvelmente ligado à história da humanidade, temos o mito do dilúvio. Hoje em dia conhecemos diversas versões das mais antigas e distintas culturas, narrando uma enorme catástrofe destrutiva de proporções mundiais. Aliás, são poucos os povos que que não possuem em sua mitologia um antigo conto sobre a destruição da humanidade, as vezes pela água, as vezes pelo fogo.
Os mitos do dilúvio já foram citados e comparados inúmeras vezes no artigo "Concordância Geral Entre Mitos e Lendas", também de minha autoria, motivo pelo qual não há necessidade de transcreve-lo ou compara-lo novamente aqui. Leia em:
Nos basta relembrar os três outros mitos diluvianos mais famosos, o grego (Deucalião, pois a mitologia grega conta com pelo menos 3 mitos de diferentes dilúvios), o babilônico (Atrahasis/Utnapishtim) e o sumério (Ziusudra), que demonstram as mais claras semelhanças com o dilúvio de Noé. Essas semelhanças se mostram tão evidentes, que não há necessidade de chamarmos atenção sobre elas novamente neste estudo.
Sabemos que na maioria dos trechos alguns dos detalhes coincidem de modo tão precisa, que não há como não pensar que os redatores bíblicos estavam descrevendo os mesmos mitos. Obviamente existem algumas pequenas diferenças, como a duração do dilúvio, o tamanho da arca, ou o local do descanso desta, que no texto bíblico repousou no Monte Ararat, enquanto a arca mesopotâmica, no Monte Nissir, e a grega no monte Parnaso.
No começo do século XX, respaldados pelos textos bíblicos, inúmeros historiadores e pesquisadores percorreram o Monte Ararat, na Turquia, com esperança de descobrir a arca, ou pelo menos o que teria restado dela. Nessas expedições, os pesquisadores descobriram que aquela enorme montanha com mais de 4000 metros de altura sempre exerceu grande fascínio sobre os povos que viviam ao seu redor e que esses “camponeses” possuiam diversas histórias antigas sobre um grande barco enterrado sob o gelo, chamado de Deru-pana (grande barco ou balsa) localizado ao sul da montanha.
Aliás, eram diversos os testemunhos dos que diziam ter visto tais vestígios, o que fez com que exploradores e pesquisadores de todo o mundo se dirigissem ao local para explorar a montanha. O padre e arqueólogo francês Pierre Teilhard de Chardin, encontrou na década de 1920 um grande pedaço de carvalho em forma de quilha, com evidentes traços de ter sido trabalhado à mão. Alguns anos depois análises feitas com carbono 14 teriam datado a peça em aproximadamente 5000 anos de idade.
Eram diversos mitos sobre um dilúvio, a cada década se descobriam mais culturas que possuíam em seu passado a história de um homem que teria construído um grande barco e utilizado para sobreviver e salvar a família e animais. Da mesma forma, era grande o número de relatos de quem afirmava ter visto resquícios da tal arca, mas até então, nenhuma evidência. Foi então que em 1928, Leonard Woolley, um arqueólogo inglês que estava realizando escavações na cidade de Ur, sobre o tell (colina) Al-Muqai-yar, descobriu as tumbas reais da cidade, que estavam repletas de tesouros arqueológicos.
Woolley continuou a escavar o local, quando fez uma descoberta um tanto quanto estranha. Ao analisar o estrato logo abaixo das tumbas reais, notou que as camadas inferiores estavam limpas de traços humanos, o que não seria nem um pouco comum, pois deveriam haver traços de ocupação humana anterior, ao passo que em outros cantos da mesopotâmia haviam.
Tudo que Woolley encontrou abaixo das camadas das tumbas foi uma expeça camada de argila de aluvião, isto é, depositada por uma extensão de águas.
Levando em consideração que o nível no qual o Eufrates se encontrava na época era muito mais baixo do que o nível no qual se encontravam as essas camadas, este não poderia, portando, ser o rio que depositou os aluviões. Intrigado, Woolley ordenou que continuassem escavando os sedimentos, quando descobriu que três metros mais abaixo a camada de aluvião terminava, e abaixo dela, uma outra camada de terra contendo antigos fragmentos de cerâmica grosseiramente modelados a mão surgiu.
Após essas descobertas, o pesquisador logo entendeu que antigos grupos humanos haviam existido no local, bem antes da Suméria, e provavelmente haviam sido atingidos pelo evento que provocou o espesso deposito de aluviões. Partindo dessa premissa, Woolley, que conhecia bem a bíblia, julgou haver encontrado indiscutíveis indícios do dilúvio, porém, para ter certeza, mandou cavar um outro poço mais adiante, que revelou a mesma ordem de camadas. Para um maior controle, mandou cavar um terceiro poço bem mais à frente, agora, em uma elevação natural.
Na escavação desse último poço, Woolley não encontrou qualquer traço de aluvião, apenas as mesmas sequencias de cerâmica e sílex lascado, iguais às encontradas nos dois primeiros poços, abaixo da espessa camada de aluvião, porém, desta vez, logo abaixo das camadas de cerâmica suméria, sem qualquer separação por depósitos de detritos. Estava então provado que uma grande inundações havia coberto boa parte daquele território.
A partir daí, foram feitas inúmeras escavações no intuito de se conseguir determinar a extensão do território atingido por essas “enchentes”. Ao que se sabe nos dias atuais, foram encontradas camadas de deposito do mesmo aluvião em UR (3,70 metros), datada em mais ou menos 3200 anos, em Kish (80 centímetros), datada de mais ou menos 2.700 anos, outra em Uruk (1,55 metros) datada de aproximadamente 2.900 anos e, por último, em Nínive (1.97 metros), datada entre 3000 e 3100 anos.
Seguindo essas datas os pesquisadores interpretaram as informações e chegaram ao consenso de que este não era o tal dilúvio mundial bíblico, mas uma série de inundações/enchentes provocadas por um enorme aumento das chuvas em épocas distintas, resultando em enormes cheias ao longo de 500 anos, nos rios Tigre e Eufrates. Seguindo essas pesquisas, pode-se calcular que as inundações haviam afetado todo o vale do Tigre e do Eufrates, pelo menos até Nínive.
Voltando à arca, caso ela realmente tenha existido e os locais bíblicos estejam certos, a arca não poderia ter “encalhado” no Monte Ararat, que se localiza na Turquia, mas sim, provavelmente em alguma montanha localizada na região dos rios Tigre e Eufrates. De fato, nos dias atuais, ainda nada sabemos sobre a real localização da enorme embarcação, ou pelo menos se ela sequer existiu. Quem sabe os arqueólogos do futuro venham a descobrir reais indícios da arca de Nóe, aliás Deucalião, aliás Ziusudra, ou como preferir.
Então limitemo-nos ao que se tem evidencias! Podemos elucidar que o mito do dilúvio tem um fundamento real, contudo, não teria sido apenas uma catástrofe global, mas várias inundações e enchentes em períodos distintos que devem ter impressionado de tal maneira que os que passaram por tais eventos, de boa-fé, acreditaram serem eventos globais que destruíram grande parte da humanidade, e assim o repassaram de geração em geração, até chegar aos povos bíblicos, que não o questionaram, apenas transcreveram-no das lendas mesopotâmicas, interpretando-os segundo seu próprio ponto de vista e crença.
O PATRIARCA
Falaremos agora de um importante personagem bíblico, o tão famoso Abraão, de Ur dos Caldeus, precursor das três maiores religiões do mundo atual. Abraão (em hebraico: אברהם) é um personagem muito citado no Gênesis, porém, até hoje os arqueólogos não encontraram nenhuma prova arqueológica de sua existência. Embora tenham sido encontradas na Turquia, aldeias com pessoas possuindo os nomes dos familiares dele, Naor (seu avô) e Serugue (seubisavô), são necessárias evidências mais palpáveis de sua existência.
Por muito tempo acreditou-se que Abraão teria sido um rico habitante de Ur, porém, nessa época, a cidade já havia perdido seu esplendor em favor da Babilônia, e o império mesopotâmico dos sumérios havia sido substituído pelo dos Amorreus (Amoritas), um povo semítico vindo do leste. A bíblia silencia sobre o real motivo de sua partida, alguns pensam que tenha sido para escapar dos Amorreus, que Abraão e sua família partiram para Harã, outros dizem que foi por conta de uma possível “mudança”, talvez climática, que atingiu o solo, tornando-o incultivável.
Neste capitulo iremos discorrer sobre o que a bíblia diz sobre Abraão, começando pela sua denominação “Abraão, de Ur dos Caldeus”. Em Gn. XXIV, 4-7, é dito que Abraão envia um de seus servos à cidade de Nahalal (Nahor), e diz, referindo-se à cidade, que ela é “sua terra”, e “a casa de seu pai, sua pátria”. Bom, segundo essa passagem, Abraão seria natural da cidade de Nahor, uma cidade menor, na alta mesopotâmia, e não de Ur.
Da mesma maneira, a bíblia atribui a Josué as seguintes palavras, (Jos. XXIV, 2) “Terá, pai de Abraão e pai de Nacor, habitava além do alto rio”, sendo este rio o Eufrates, Abraão não poderia ser natural de Ur, cidade que pelo que sabemos, era localizada aquém deste rio, a julgar pela localização dos mesmos na época. Podemos perceber também que a bíblia nos descreve com detalhes a vida de Abraão, seguindo seus rebanhos de pastagem em pastagem e morando em tendas, o que é incompatível com o estilo de vida de um habitante de uma grande cidade suméria.
Obviamente há a hipótese de ele ter saído de Ur para ser um pastor, porém, hoje em dia é sabido que na sociedade Amorita, a qual dominava Ur na época em questão, ser pastor dependia de uma função hereditária, passada de pais para filhos de famílias que nasciam e cresciam nos campos, desempenhando tais funções. Em resumo, seria estranho um homem nascido na cidade grande se tornar um pastor, seja por qualquer motivo. Obviamente, podem haver eventos que desconhecidos que explicariam melhor tal transição, porém, atualmente, arqueológica e historiograficamente, não existem.
É evidente que não existe qualquer prova concreta sobre a hipótese Abraão ser de Nacor, apenas passagens que podem ser interpretadas da mesma maneira.
Da mesma maneira, não existe nenhuma prova de que ele seja Ur, apenas passagens que podem ser interpretadas assim. Indo mais afundo, não existe sequer qualquer evidencia do seu vaguear até a fronteira do Egito, e para julgarmos este “fato”, precisamos confiar na bíblia, que nos informa que Abraão teria abandonado sua cidade natal 645 anos antes do êxodo, provavelmente em meados do século XIII a.e.c, então, Abraão deve ter vivido pelo século XIX a.e.c.
A bíblia nos diz também que Nacor (Avô de Abraão), com idade de vinte e nove anos, gerou Terá, Terá com a idade de setenta anos, gerou Abraão e Harã (Gn. XI, 10-26). Por muito tempo se pensou que esses eram nomes de indivíduos, porém, historiadores interpretam esses nomes como nomes de tribos ou cidades. Sabemos que Nacor e Harã eram importantes cidades, situadas além do Eufrates, a ponto de Harã ser o centro religioso dos semitas ocidentais, como dizem escrituras encontradas na cidade Mari (atualmente conhecida como Tell Hariri), um dos sítios arqueológicos mais importantes da mesopotâmia.
Como sabemos que Nacor era uma cidade Amorita na época em que Terá, o pai de Abraão teria partido de lá, fica evidente que ele era na verdade, Amorreu. Se Abraão e seus filhos não eram Amorreus, estavam de qualquer modo, em estreita relação com eles. De qualquer jeito, vale ressaltar que a palavra amorreu não provém de uma designação étnica, mas do nome da região de Amurru, que significa “pessoa (s) do Oeste” em acadiano, ou seja, as pessoas que vinham do oeste eram chamadas de Amurru.
Na época em questão ainda nem se sonhava em cogitar o nome “Hebreu”, tampouco a língua hebraica. A palavra “hebreu” (עברים), derivaria de Éber, ou “Ibri (plural: Ibrim ou Iburim), que significa algo como "povo do outro lado do rio". Outros pesquisadores defendem que ibrim significava “estrangeiro”, ou algo que podemos comparar ao termo “gringo” nos dias atuais. O termo é encontrado em várias partes da bíblia, mas só aparece bem mais tarde, na época de Moisé, e pelo que se sabe, mesmo naquela época, o termo parece só se aplicar ao povo bíblico quando se trata de diálogos deste povo com Egípcios e Filisteus.
O termo grego “ebraios”, derivado de ibrim, só aparece dois séculos antes de cristo, nos livros de Judite e Macabeus. Ao que se sabe os Ibrim eram sempre considerados estrangeiros nos países em que viviam, fosse o Egito ou Canaã, ou seja, Ibrim seria portanto uma designação geral para todos os povos seminômades e o de Abraão seria apenas só mais um dentre outras centenas.
Encontra-se também nos textos descobertos na cidade de Mari, trechos em que seminômades e grupos de saqueadores eram chamados de habiru (ou apiru), que segundo pesquisadores pode ter parentesco etimológico com Iburim (ibrim). Não seria estranho que os habiru fossem um outro jeito de se chamar as “pessoas que vem de fora”. Existem alguns "pesquisadores" que afirmam que o famoso "Caminho Peabirú", no Brasil, tem este nome por ter sido construído por antigos povos estrangeiros que utilizavam este termo, porém, não existe embasamento filológico que confirme isto.
Encerraremos a Parte I deste estudo por aqui. Na próxima semana, traremos a Parte II!
Obrigado a todos que leram, espero que gostem! (Não apresentaremos bibliografia nesta parte I, pois a bibliografia completa virá ao final do texto na parte III).
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